quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A cama é um deserto

Quando te comecei a mentir, foi quando te comecei a perder. Era inevitável. A mentira. O perder-te. A situação era insuportável. Eu achava que não podia escolher, não te podia trocar por ninguem, nem te podia deixar, nem permitir que de mim fugisses. Por isso mentia. Prometia coisas que sabia impossiveis e jogava com o tempo como se não fosse ele que comigo jogava. Sentia tudo a ir-se a abaixo. A cabeça, o meu corpo, o meu mundo. Eu sabia que havia um fim que se aproximava, só nao sabia, qual,como.
E houve um dia em que partiste e não voltaste. O começo e o fim estavam sempre a acontecer, mas apenas na minha e inteiramente na minha cabeça.
O mundo não estava do nosso lado, nós não cabiamos na mesma cidade. Durante semanas tive medo de pegar no telefone, evitava uma zona da cidade, havia uma marca de carros que me punha o coração acelerado. Durante muitas noites transformei-me num fantasma. Continuava com o teu corpo a percorrer o espaço, mas não habitava mais o tempo presente. Adormecer era um terror em que era assaltado por todos os demónios.Estranhava que me reconhecessem como um humano, arranjar forças para o que esperavam de mim no trabalho. Imaginava o teu corpo a movimentar-se nesta cidade, a apanhar um taxi, a meter-se num cinema com gente que preferia nem imaginar a face.
Há zonas da cidade que evito, uma série de restaurantes onde não penso voltar. Tenho muito medo de te encontrar só ou acompanhado, tanto faz. Minto. O ciume ataca a horas incertas mesmo depois de tudo se dar por acabado. Muito medo de não saber de antemão o que vou sentir, como vai ser, não poder antever o golpe. O medo de todas as palavras ridiculas, gestos desajeitados. Medo de ficar violentamente a pensar horas em ti, sabe-se lá onde e não conseguir regresssar ao habitual correr do tempo.
Uma intromissão que exige o alcool que se põe, embebido em algodão na ferida que abriu, para que de novo arda. E depois o regresso a casa com o corpo anestesiado, a musica aos berros, a vontade que tudo se desfaça no instante para a qual a coragem falta.
Chegar a casa e agarrar nas ultimas fotografias, até me virem as lágrimas, o ranho, os vómitos que expulsem de mim o que guardo no mais fundo e me traz a vida vazia e inutil.
Tenho tanto medo de te encontrar, que mesmo nunca te encontrando estás mais presente do que todos os que vejo girar à minha volta.
Pouco a pouco vais-me expulsando da tua vida, com avanços e recuos, é um trabalho arduo. Eu por mim não me mexia, deixava que a morte me surpreendesse em qualquer parte, mas tu ainda estas cheio de vida nao deixando que o meu peso estorve o teu caminho. E eu concordo.
Prometo nada fazer que impeça o livrares-te de mim.
Mas é-me muito difiicl pensar em ti no tempo passado. É um misterio tao grande nao saber onde ficaram os nossos gestos, não poder voltar enfim a ouvir palavras doces. Por vezes julgo que enlouqueço,que estou muito perto disso, e tenho de acender todas as luzes, levantar-me, ver o meu corpo e andar de um lado para o outro. É tão dificil concentrar-me, impedir que os pensamentos corram sem direcção e me surpreendam em insinuações tão dolorosas. A sensação de não pertencer mais aqui surgiu-me hoje.
Ao tomar um carioca de limão, porque não bebo café..a ao pegar no pacote do açucar dizia o seguinte:"amar-te é doce" e claro, lembrei-me de um pacote de açucar que me deste há muito tempo com uma frase similiar. Aqueles pormenores mesmo teus.

Quando me deito, começo a repetir em silencio o teu número de telemovel, olho para a mesa de cabeceira, mata-me uma vontade de te ligar, de clicar o número sem procurar na agente o teu nome. Não consigo deixar de dize-lo, como se esquece-lo fosse a unica coisa que pudesse derrotar a minha consciência por inteiro. Como se estivesse condenada a repeti-lo até ao fim dos meus dias, como castigo de te querer como te quero, por maldição. Por fim exausta, esqueço-me de mim, de ti, de tudo. Durante alguns minutos.
O teu número de telefone que me amarra a este mundo do qual quero fugir.

Acordarei com a Isabel a aspirar o corredor de minha casa ou com os bigodes da Chanel a ronronarem exaustivamente em cima de mim. E como já me ardem bastante os olhos e a cabeça de tanta loucura que transcrevo para o papel. Vou dormir.


Boa noite.

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