quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

ponto de embraiagem e o livro das respostas

Agora ando sempre a conduzir, pra trás e prá frente e hoje ocorreu-me que o ponto de embraiagem é algo que realmente tenho muita dificuldade em fazer mesmo comigo própria: manter a neutralidade, andar para frente sem deixar ir abaixo, seja aquilo que for. Da mesma forma que o carro ainda me falha imenso no tal dito cujo ponto de embraiagem, eu propria não sei controlar o ponto de embraiagem da minha vida. Levanto sempre demais o pé e quando quero avançar, vou-me abaixo. Estou sempre cheia de vivacidade para avançar, mas largar o travão e passar rapidamente o pé para o acelerador..faz-me fechar os olhos..e quando dou por mim..solavanco à frente e zás..já o carro foi abaixo.
Por vezes quando me concentro muito lá tenho sucesso, mas acontece-me isto mesmo no dia a dia.
O meu ponto de embraiagem pessoal nunca funcionou bem. Nunca consigo ter o equilíbrio necessário, o ponto chave para nem cair, nem fraquejar. Simplesmente ter neutralidade.
Todas as noites tenho aberto o livro que a Li me deu no Natal "O Livro das Respostas", cada página do livro que me recorda uma biblia tem uma frase, uma determinada resposta a um pensamento. O objectivo consiste em concentrar-mo-nos e perguntar-mos ao livro algo que desejemos muito saber. E após isso abrimos o livro numa página ao acaso e a resposta está lá. Na noite passada perguntei-lhe algo sobre ti, a resposta que obtive foi: " Pode ter deliciosamente a certeza" Não importa o que perguntei, importa sim a fé que depositamos num livro, no alento e também na tristeza que muitas vezes ele me tem dado, porque já tive respostas do género " Está fora do seu controle" ou "Terá que se reinventar" Há coisas que entendo outras não, o irónico é que todas as noites faço ao livro das respostas uma pergunta sobre ti e todas as noites ele me desorienta e orienta de forma diferente..Mas gosto de lhe fazer perguntas porque no meio da minha descrença sobre o sobrenatural, tenho fé no livro. E muito infantilmente, sento-me na cama de pernas cruzadas, e ponho as minhas mãos sobre o livro e fecho os olhos enquanto me concentro na pergunta, penso em ti e abro uma página à toa, até sinto um frio na barriga quando abro os olhos para ver a página que saiu, e eis a resposta desta noite: "Essa situação vai dar muitas voltas".

O mundo dá sempre muitas voltas, seja para que lado for..não sei se volto a abrir o livro das respostas..parece que não tem as respostas que eu quero ouvir.."Sim ele ama-a e vai voltar para si, procure-o na esquina mais próxima, corra !" ou " Ele está à porta de sua casa num cavalo branco vista a sua melhor lingerie e não perca tempo!"

Boa noite.

A cama é um deserto

Quando te comecei a mentir, foi quando te comecei a perder. Era inevitável. A mentira. O perder-te. A situação era insuportável. Eu achava que não podia escolher, não te podia trocar por ninguem, nem te podia deixar, nem permitir que de mim fugisses. Por isso mentia. Prometia coisas que sabia impossiveis e jogava com o tempo como se não fosse ele que comigo jogava. Sentia tudo a ir-se a abaixo. A cabeça, o meu corpo, o meu mundo. Eu sabia que havia um fim que se aproximava, só nao sabia, qual,como.
E houve um dia em que partiste e não voltaste. O começo e o fim estavam sempre a acontecer, mas apenas na minha e inteiramente na minha cabeça.
O mundo não estava do nosso lado, nós não cabiamos na mesma cidade. Durante semanas tive medo de pegar no telefone, evitava uma zona da cidade, havia uma marca de carros que me punha o coração acelerado. Durante muitas noites transformei-me num fantasma. Continuava com o teu corpo a percorrer o espaço, mas não habitava mais o tempo presente. Adormecer era um terror em que era assaltado por todos os demónios.Estranhava que me reconhecessem como um humano, arranjar forças para o que esperavam de mim no trabalho. Imaginava o teu corpo a movimentar-se nesta cidade, a apanhar um taxi, a meter-se num cinema com gente que preferia nem imaginar a face.
Há zonas da cidade que evito, uma série de restaurantes onde não penso voltar. Tenho muito medo de te encontrar só ou acompanhado, tanto faz. Minto. O ciume ataca a horas incertas mesmo depois de tudo se dar por acabado. Muito medo de não saber de antemão o que vou sentir, como vai ser, não poder antever o golpe. O medo de todas as palavras ridiculas, gestos desajeitados. Medo de ficar violentamente a pensar horas em ti, sabe-se lá onde e não conseguir regresssar ao habitual correr do tempo.
Uma intromissão que exige o alcool que se põe, embebido em algodão na ferida que abriu, para que de novo arda. E depois o regresso a casa com o corpo anestesiado, a musica aos berros, a vontade que tudo se desfaça no instante para a qual a coragem falta.
Chegar a casa e agarrar nas ultimas fotografias, até me virem as lágrimas, o ranho, os vómitos que expulsem de mim o que guardo no mais fundo e me traz a vida vazia e inutil.
Tenho tanto medo de te encontrar, que mesmo nunca te encontrando estás mais presente do que todos os que vejo girar à minha volta.
Pouco a pouco vais-me expulsando da tua vida, com avanços e recuos, é um trabalho arduo. Eu por mim não me mexia, deixava que a morte me surpreendesse em qualquer parte, mas tu ainda estas cheio de vida nao deixando que o meu peso estorve o teu caminho. E eu concordo.
Prometo nada fazer que impeça o livrares-te de mim.
Mas é-me muito difiicl pensar em ti no tempo passado. É um misterio tao grande nao saber onde ficaram os nossos gestos, não poder voltar enfim a ouvir palavras doces. Por vezes julgo que enlouqueço,que estou muito perto disso, e tenho de acender todas as luzes, levantar-me, ver o meu corpo e andar de um lado para o outro. É tão dificil concentrar-me, impedir que os pensamentos corram sem direcção e me surpreendam em insinuações tão dolorosas. A sensação de não pertencer mais aqui surgiu-me hoje.
Ao tomar um carioca de limão, porque não bebo café..a ao pegar no pacote do açucar dizia o seguinte:"amar-te é doce" e claro, lembrei-me de um pacote de açucar que me deste há muito tempo com uma frase similiar. Aqueles pormenores mesmo teus.

Quando me deito, começo a repetir em silencio o teu número de telemovel, olho para a mesa de cabeceira, mata-me uma vontade de te ligar, de clicar o número sem procurar na agente o teu nome. Não consigo deixar de dize-lo, como se esquece-lo fosse a unica coisa que pudesse derrotar a minha consciência por inteiro. Como se estivesse condenada a repeti-lo até ao fim dos meus dias, como castigo de te querer como te quero, por maldição. Por fim exausta, esqueço-me de mim, de ti, de tudo. Durante alguns minutos.
O teu número de telefone que me amarra a este mundo do qual quero fugir.

Acordarei com a Isabel a aspirar o corredor de minha casa ou com os bigodes da Chanel a ronronarem exaustivamente em cima de mim. E como já me ardem bastante os olhos e a cabeça de tanta loucura que transcrevo para o papel. Vou dormir.


Boa noite.